A presença crescente dos bens digitais no cotidiano tem gerado debates importantes sobre o patrimônio pessoal nos espaços virtuais, especialmente em casos de falecimento do proprietário. A chamada herança digital ainda carece de uma legislação específica que defina seu destino, deixando a cargo dos tribunais a responsabilidade de resolver controvérsias. Isso resulta em entendimentos divergentes, dificultando a tutela de direitos.
A herança digital abrange todo o patrimônio virtual deixado por uma pessoa, incluindo bens informacionais intangíveis associados a contas online, que podem ter conteúdo econômico, não econômico ou de caráter misto, como direitos autorais. Atualmente, um anteprojeto de Código Civil visa incluir o patrimônio virtual, compreendendo arquivos de texto, áudio, vídeo, imagens, dados pessoais e contas online. Esses dados podem ter valor econômico ou afetivo para os herdeiros, existindo apenas na forma eletrônica e exigindo um tratamento sucessório específico, não contemplado pela legislação brasileira atual.
O Desafio de Regular a Herança Digital
Os bens físicos são partilhados entre cônjuge sobrevivente e herdeiros conforme o regime de casamento e as regras de sucessão. Contudo, os bens digitais ainda carecem de regulamentação. A legislação atual foi criada em uma época em que os bens digitais eram inexistentes ou insignificantes. Com a evolução das redes sociais e a maior integração do dia a dia à internet, a digitalização dos bens criou uma nova realidade que ainda precisa de previsão jurídica adequada.
Além da privacidade, um aspecto crucial na proteção de dados pessoais, há discussões sobre o papel das plataformas digitais no processo de sucessão. Os provedores de aplicação podem aplicar seus termos de uso, geralmente estipulando que os dados dos perfis pertencem à rede social, mesmo após o falecimento do proprietário. Contudo, não há consenso sobre essa prática.
O Anteprojeto de Reforma do Código Civil
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (13.709/2018) reforça o direito à proteção de informações pessoais dos titulares de dados. A Lei de Direitos Autorais (9.610/1998) oferece definições ao tema, estabelecendo tempo de proteção e direitos dos executores e produtores, mas sem previsões específicas sobre a sucessão digital. Dada a ausência de maior previsão legislativa sobre o tema no direito sucessório, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) editou o Enunciado nº 40, que integra a herança digital na sucessão do titular, ressalvadas hipóteses envolvendo direitos personalíssimos, direitos de terceiros e disposições de última vontade em sentido contrário.
O anteprojeto de reforma do Código Civil, aprovado em abril e enviado ao Senado, inseriu um novo livro denominado “do direito civil digital”, visando regular a face virtual da vida civil. Embora a Lei de Direitos Autorais e o Marco Civil da Internet (12.965/2014) ajudem no debate, eles não resolvem todas as especificidades exigidas para uma regulamentação adequada da sucessão dos bens virtuais. Grande parte da herança digital pode ter elevado valor afetivo para os familiares, e a ausência de regulamentação agrava o sofrimento da perda de um ente querido. A legislação deve determinar a destinação desses dados para evitar seu desvio ou mau uso, preservando a vontade e a privacidade do falecido. A regulamentação da herança digital é uma necessidade urgente para adaptar a legislação ao novo contexto tecnológico e garantir a proteção dos direitos e interesses dos herdeiros.