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WORLDCOIN: COLETA DE DADOS BIOMÉTRICOS E PROTEÇÃO DE DADOS

Em 2019, uma inovadora empresa no setor de inteligência artificial lançou um projeto ambicioso conhecido como Worldcoin. O objetivo principal deste projeto é coletar imagens digitais da íris das pessoas que consentem voluntariamente, oferecendo em troca um pagamento em criptomoedas equivalente a cerca de 70 euros. Este esforço tem sido implementado em vários países, inclusive na União Europeia, onde a legislação de proteção de dados pessoais é notoriamente rigorosa.

Diante das denúncias recebidas, a Autoridade de Proteção de Dados da Espanha iniciou uma investigação em fevereiro de 2024. Em março, foi emitida uma ordem cautelar para suspender as atividades de coleta e tratamento de dados pessoais da empresa no país, além de bloquear os dados já coletados. Estima-se que cerca de 400 mil pessoas tenham tido seus dados coletados.

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) do Brasil, fortemente inspirada no Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) da União Europeia, também prevê medidas semelhantes. Qualquer empresa que colete e trate dados pessoais no Brasil, expondo os titulares a riscos desproporcionais, está sujeita a medidas rigorosas, semelhantes às tomadas pela autoridade espanhola no caso do Worldcoin.

A empresa por trás do projeto Worldcoin afirma que todas as informações coletadas são anônimas e que os indivíduos mantêm controle sobre seus dados. No entanto, as denúncias dirigidas à Autoridade de Proteção de Dados da Espanha alegam insuficiência de informações fornecidas, coleta de dados de menores e impossibilidade de retirada do consentimento dado.

A imagem digital da íris é considerada um dado biométrico e recebe proteção especial tanto pelo GDPR quanto pela LGPD. Este tipo de dado é classificado como sensível devido ao elevado risco que seu tratamento representa para os direitos e liberdades dos titulares, incluindo a possibilidade de usurpação de identidade.

A decisão da autoridade espanhola, embora preliminar, foi tomada com base em circunstâncias excepcionais, sendo considerada necessária e proporcional como medida preventiva para evitar a cessão dos dados a terceiros e salvaguardar o direito fundamental à proteção de dados pessoais.

No Brasil, o direito à proteção de dados é também um direito fundamental, garantido pela Constituição Federal. As autoridades brasileiras, portanto, possuem um amplo espectro de medidas à disposição para proteger este direito.

A LGPD exige o consentimento do titular para o tratamento de dados biométricos, salvo em circunstâncias específicas. O consentimento deve ser livre, expresso, específico, inequívoco e informado. Qualquer consentimento obtido de forma viciada, mediante informações genéricas ou enganosas, é considerado nulo.

O Supremo Tribunal Federal (STF) já declarou que a permissão para tratamento de dados pessoais é uma relativização do direito fundamental à proteção de dados. Assim, a transparência e clareza das informações fornecidas para a obtenção do consentimento são essenciais para garantir que os titulares compreendam plenamente o uso de suas informações.

Além disso, mesmo que o tratamento de dados pessoais seja baseado em uma base legal, ele deve ser realizado dentro de uma atividade lícita. Se a atividade principal for ilícita, o tratamento de dados também será considerado ilícito, independentemente da base legal formal utilizada.

As regras da LGPD visam reduzir o desequilíbrio entre o agente de tratamento e o titular dos dados, exigindo lealdade, transparência e informação. A não observância desses princípios ou a ausência de fundamento legal desequilibra a relação e configura uma conduta abusiva.

No Brasil, qualquer empresa que atue de maneira semelhante ao projeto Worldcoin, coletando e tratando dados pessoais que possam colocar em risco os direitos e liberdades das pessoas, viola os fundamentos do regime de proteção de dados e o direito fundamental à proteção de dados. Consequentemente, está sujeita à fiscalização e repressão da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e pode ter suas atividades suspensas judicialmente desde a fase de coleta, em ações propostas pelo Ministério Público ou outros legitimados para a Ação Civil Pública.

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A INICIATIVA DA ANPD SOBRE ANONIMIZAÇÃO E PSEUDONIMIZAÇÃO

A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) deu um passo importante ao lançar, no dia 30 de janeiro de 2024, uma consulta pública sobre a minuta de um guia detalhado para a anonimização e pseudonimização de dados pessoais. Este guia, que faz parte da Agenda Regulatória da ANPD para 2023-2024, visa esclarecer e orientar o uso dessas técnicas sob a égide da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), Lei n° 13.709/2018.

A LGPD introduziu conceitos fundamentais relacionados à anonimização e pseudonimização, processos pelos quais os dados pessoais são transformados de forma a prevenir a identificação direta ou indireta de indivíduos. A ANPD, reconhecendo a necessidade de diretrizes claras, propõe neste guia um aprofundamento nos conceitos e práticas, diferenciando dados anonimizados de anônimos, e introduzindo termos como dados auxiliares e identificadores diretos e indiretos.

Um ponto destacado pela ANPD é a reversibilidade potencial da pseudonimização, em contraste com a irreversibilidade da anonimização. A pseudonimização permite a reidentificação sob circunstâncias controladas, enquanto a anonimização visa eliminar permanentemente a possibilidade de vincular os dados ao indivíduo.

O guia enfatiza que a anonimização não deve ser vista apenas como um fim, mas como um processo complexo que deve respeitar os princípios da LGPD. Isso inclui garantir que a anonimização não sirva para legitimar tratamentos de dados originalmente não conformes com a lei. Além disso, a ANPD adverte sobre os riscos de reidentificação e a importância de avaliar esses riscos de maneira cuidadosa, adotando uma abordagem baseada em risco para a anonimização.

A consulta pública vai além ao abordar a pseudonimização, sugerindo uma metodologia detalhada para sua implementação, que inclui a seleção de técnicas adequadas e a proteção das chaves e algoritmos usados no processo. Essas diretrizes são fundamentais para assegurar que as práticas de tratamento de dados estejam alinhadas com os mais altos padrões de segurança e privacidade.

Além disso, a ANPD abriu espaço para discussões sobre os direitos dos titulares de dados, lançando uma tomada de subsídios com foco em como os controladores devem facilitar o exercício desses direitos. Este debate abrange desde a transparência no tratamento dos dados até a portabilidade, correção e eliminação dos mesmos, enfatizando a necessidade de processos que respeitem tanto a legislação vigente quanto os interesses dos indivíduos.

Essas iniciativas da ANPD não apenas reforçam o compromisso do Brasil com a proteção de dados pessoais, mas também estabelecem um marco regulatório que orienta as organizações na adoção de práticas responsáveis e transparentes de tratamento de dados. As contribuições para a consulta pública e a tomada de subsídios, abertas até 28 de fevereiro e 4 de março de 2024, respectivamente, são passos vitais para a construção de um ambiente digital mais seguro e confiável para todos.